Por
ocasião do Dia Mundial das Missões, celebrado hoje, o papa Francisco
enviou mensagem aos organismos, pastorais, movimentos e demais serviços
engajados na dimensão missionária da Igreja. No texto, o papa recorda a
criação da data, em 1926, proposta por Pio XI que desejou proclamar um
dia anual em favor da atividade missionária da Igreja universal. A
celebração ocorre sempre no penúltimo domingo de outubro de cada ano,
tradicionalmente reconhecido como o mês missionário.
Leia o texto na íntegra:
Queridos
irmãos e irmãs! Ainda hoje há tanta gente que não conhece Jesus Cristo.
Por isso, continua a revestir-se de grande urgência a missão ad gentes,
na qual são chamados a participar todos os membros da Igreja, pois esta
é, por sua natureza, missionária: a Igreja nasceu «em saída». O Dia
Mundial das Missões é um momento privilegiado para os fiéis dos vários
Continentes se empenharem, com a oração e gestos concretos de
solidariedade, no apoio às Igrejas jovens dos territórios de missão.
Trata-se de uma ocorrência permeada de graça e alegria: de graça, porque
o Espírito Santo, enviado pelo Pai, dá sabedoria e fortaleza a quantos
são dóceis à sua ação; de alegria, porque Jesus Cristo, Filho do Pai,
enviado a evangelizar o mundo, sustenta e acompanha a nossa obra
missionária. E, justamente sobre a alegria de Jesus e dos discípulos
missionários, quero propor um ícone bíblico que encontramos no Evangelho
de Lucas (cf. 10, 21-23).
1.
Narra o evangelista que o Senhor enviou, dois a dois, os setenta e dois
discípulos a anunciar, nas cidades e aldeias, que o Reino de Deus
estava próximo, preparando assim as pessoas para o encontro com Jesus.
Cumprida esta missão de anúncio, os discípulos regressaram cheios de
alegria: a alegria é um traço dominante desta primeira e inesquecível
experiência missionária. O Mestre divino disse-lhes: «Não vos alegreis,
porque os espíritos vos obedecem; alegrai-vos, antes, por estarem os
vossos nomes escritos no Céu. Nesse mesmo instante, Jesus estremeceu de
alegria sob a ação do Espírito Santo e disse: “Bendigo-te, ó Pai (…)”.
Voltando-se, depois, para os discípulos, disse-lhes em particular:
“Felizes os olhos que vêem o que estais a ver”» (Lc 10, 20-21.23).
As
cenas apresentadas por Lucas são três: primeiro, Jesus falou aos
discípulos, depois dirigiu-Se ao Pai, para voltar de novo a falar com
eles. Jesus quer tornar os discípulos participantes da sua alegria, que
era diferente e superior àquela que tinham acabado de experimentar.
2.
Os discípulos estavam cheios de alegria, entusiasmados com o poder de
libertar as pessoas dos demónios. Jesus, porém, recomendou-lhes que não
se alegrassem tanto pelo poder recebido, como sobretudo pelo amor
alcançado, ou seja, «por estarem os vossos nomes escritos no Céu» (Lc
10, 20). Com efeito, fora-lhes concedida a experiência do amor de Deus e
também a possibilidade de o partilhar. E esta experiência dos
discípulos é motivo de jubilosa gratidão para o coração de Jesus. Lucas
viu este júbilo numa perspectiva de comunhão trinitária: «Jesus
estremeceu de alegria sob a ação do Espírito Santo», dirigindo-Se ao Pai
e bendizendo-O. Este momento de íntimo júbilo brota do amor profundo
que Jesus sente como Filho por seu Pai, Senhor do Céu e da Terra, que
escondeu estas coisas aos sábios e aos inteligentes e as revelou aos
pequeninos (cf. Lc 10, 21).
Deus
escondeu e revelou, mas, nesta oração de louvor, é sobretudo a
revelação que se põe em realce. Que foi que Deus revelou e escondeu? Os
mistérios do seu Reino, a consolidação da soberania divina de Jesus e a
vitória sobre satanás. Deus escondeu tudo isto àqueles que se sentem
demasiado cheios de si e pretendem saber já tudo. De certo modo, estão
cegos pela própria presunção e não deixam espaço a Deus. Pode-se
facilmente pensar em alguns contemporâneos de Jesus que Ele várias vezes
advertiu, mas trata-se de um perigo que perdura sempre e tem a ver
conosco também. Ao passo que os «pequeninos» são os humildes, os
simples, os pobres, os marginalizados, os que não têm voz, os cansados e
oprimidos, que Jesus declarou «felizes». Pode-se facilmente pensar em
Maria, em José, nos pescadores da Galileia e nos discípulos chamados ao
longo da estrada durante a sua pregação.
3.
«Sim, Pai, porque assim foi do teu agrado» (Lc 10, 21). Esta frase de
Jesus deve ser entendida como referida à sua exultação interior,
querendo «o teu agrado» significar o plano salvífico e benevolente do
Pai para com os homens. No contexto desta bondade divina, Jesus exultou,
porque o Pai decidiu amar os homens com o mesmo amor que tem pelo
Filho. Além disso, Lucas faz-nos pensar numa exultação idêntica: a de
Maria. «A minha alma glorifica o Senhor e o meu espírito se alegra em
Deus, meu Salvador» (Lc 1, 46-47). Estamos perante a boa Notícia que
conduz à salvação. Levando no seu ventre Jesus, o Evangelizador por
excelência, Maria encontrou Isabel e exultou de alegria no Espírito
Santo, cantando o Magnificat. Jesus, ao ver o bom êxito da missão dos
seus discípulos e, consequentemente, a sua alegria, exultou no Espírito
Santo e dirigiu-Se a seu Pai em oração. Em ambos os casos, trata-se de
uma alegria pela salvação em ato, porque o amor com que o Pai ama o
Filho chega até nós e, por obra do Espírito Santo, envolve-nos e faz-nos
entrar na vida trinitária.
O
Pai é a fonte da alegria. O Filho é a sua manifestação, e o Espírito
Santo o animador. Imediatamente depois de ter louvado o Pai – como diz o
evangelista Mateus – Jesus convida-nos: «Vinde a Mim, todos os que
estais cansados e oprimidos, que Eu hei-de aliviar-vos. Tomai sobre vós o
meu jugo e aprendei de Mim, porque sou manso e humilde de coração e
encontrareis descanso para o vosso espírito. Pois o meu jugo é suave e o
meu fardo é leve» (Mt 11, 28-30). «A alegria do Evangelho enche o
coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus. Quantos se
deixam salvar por Ele são libertados do pecado, da tristeza, do vazio
interior, do isolamento. Com Jesus Cristo, renasce sem cessar a alegria»
(Exort. ap. Evangelii gaudium, 1). De tal encontro com Jesus, a Virgem
Maria teve uma experiência totalmente singular e tornou-se «causa
nostrae laetitiae». Os discípulos, por sua vez, receberam a chamada para
estar com Jesus e ser enviados por Ele a evangelizar (cf. Mc 3, 14), e,
feito isso, sentem-se repletos de alegria. Porque não entramos também
nós nesta torrente de alegria?
4.
«O grande risco do mundo atual, com a sua múltipla e avassaladora
oferta de consumo, é uma tristeza individualista que brota do coração
comodista e mesquinho, da busca desordenada de prazeres superficiais, da
consciência isolada» (Exort. ap. Evangelii Gaudium, 2). Por isso, a
humanidade tem grande necessidade de dessedentar-se na salvação trazida
por Cristo. Os discípulos são aqueles que se deixam conquistar mais e
mais pelo amor de Jesus e marcar pelo fogo da paixão pelo Reino de Deus,
para serem portadores da alegria do Evangelho. Todos os discípulos do
Senhor são chamados a alimentar a alegria da evangelização. Os bispos,
como primeiros responsáveis do anúncio, têm o dever de incentivar a
unidade da Igreja local à volta do compromisso missionário, tendo em
conta que a alegria de comunicar Jesus Cristo se exprime tanto na
preocupação de O anunciar nos lugares mais remotos como na saída
constante para as periferias de seu próprio território, onde há mais
gente pobre à espera.
Em
muitas regiões, escasseiam as vocações ao sacerdócio e à vida
consagrada. Com frequência, isso fica-se a dever à falta de um fervor
apostólico contagioso nas comunidades, o que faz com as mesmas sejam
pobres de entusiasmo e não suscitem fascínio. A alegria do Evangelho
brota do encontro com Cristo e da partilha com os pobres. Por isso,
encorajo as comunidades paroquiais, as associações e os grupos a viverem
uma intensa vida fraterna, fundada no amor a Jesus e atenta às
necessidades dos mais carecidos. Onde há alegria, fervor, ânsia de levar
Cristo aos outros, surgem vocações genuínas, nomeadamente as vocações
laicais à missão. Na realidade, aumentou a consciência da identidade e
missão dos fiéis leigos na Igreja, bem como a noção de que eles são
chamados a assumir um papel cada vez mais relevante na difusão do
Evangelho. Por isso, é importante uma adequada formação deles, tendo em
vista uma ação apostólica eficaz.
5.
«Deus ama quem dá com alegria» (2 Cor 9, 7). O Dia Mundial das Missões é
também um momento propício para reavivar o desejo e o dever moral de
participar jubilosamente na missão ad gentes. A contribuição monetária
pessoal é sinal de uma oblação de si mesmo, primeiramente ao Senhor e
depois aos irmãos, para que a própria oferta material se torne
instrumento de evangelização de uma humanidade edificada no amor.
Queridos irmãos e irmãs, neste Dia Mundial das Missões, dirijo o meu
pensamento a todas as Igrejas locais: Não nos deixemos roubar a alegria
da evangelização! Convido-vos a mergulhar na alegria do Evangelho e a
alimentar um amor capaz de iluminar a vossa vocação e missão. Exorto-vos
a recordar, numa espécie de peregrinação interior, aquele «primeiro
amor» com que o Senhor Jesus Cristo incendiou o coração de cada um;
recordá-lo, não por um sentimento de nostalgia, mas para perseverar na
alegria. O discípulo do Senhor persevera na alegria, quando está com
Ele, quando faz a sua vontade, quando partilha a fé, a esperança e a
caridade evangélica.
A
Maria, modelo de uma evangelização humilde e jubilosa, elevemos a nossa
oração, para que a Igreja se torne uma casa para muitos, uma mãe para
todos os povos e possibilite o nascimento de um mundo novo.
Vaticano, 8 de Junho – Solenidade de Pentecostes – de 2014
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